Prefácio


É uma honra muito grande o convite para prefaciar a obra do meu amigo Fernando Cantelmo, não apenas pela importância e qualidade da obra, mas também por ser um trabalho voltado à uma área diferente daquela onde atuo, diversa daquela em que estou acostumado a falar ou escrever.

Escrevo sobre a violência e o descaso do direito para com vidas humanas, como tem sido a execução penal no nosso país por séculos. Sou, portanto, um quase descrente do direito, mas até por isso o convite para este prefácio é ainda mais importante, porque mostra o quanto se pode fazer de ciência no Direito, mesmo que fundamentada na mais rigorosa crítica.

Não fosse assim, não existiria o convite, pois Fernando poderia ter convidado inúmeros outros juízes, professores, doutrinadores, doutores em Direito, contudo, convidou este amigo revoltado com o estado de coisas em que se tornou a prática jurídica brasileira, indiferente a mortes, à fome e à violência que sofrem milhões de brasileiros.

A chegada do livro A TUTELA DO ESTADO AO DIREITO DO CONSUMIDOR propõe um tema inovador e, ao mesmo tempo, totalmente pertinente ao momento atual. Faz uma leitura do Direito com um viés histórico-político que não se encontra em literatura já editada, tornando-se assim uma nova referência bibliográfica sobre o tema.

Em verdade, a obra de autoria de Fernando Cantelmo, cujo foco é debater temas do Direito Constitucional e especialmente Direito do Consumidor, termina por abordar outros campos das Ciências Sociais, marca de quem possui uma formação multidisciplinar, com graduações e pós-graduações em Direito, Psicologia, Administração, Marketing, Educação e áreas correlatas, além de extensa vivência profissional e longa experiência como docente.

O trabalho realizado pelo autor parte de um levantamento histórico sobre a legislação consumerista no mundo e no Brasil, dialoga com outras literaturas e com momentos da humanidade, e classifica múltiplas visões sobre o assunto. Com este viés, além de permitir o conhecimento sobre as origens dos direitos dos consumidores, a obra trata sobre a evolução do tema mundo afora, permitindo o reconhecimento dos principais movimentos e legislações que compuseram a legislação consumerista nos seis continentes.

Após esse passeio histórico, o autor acosta-se ao Código de Defesa do Consumidor promulgado no Brasil em 1990, realizando uma leitura minuciosa desta legislação, traduzindo-a de modo que qualquer um poderá compreendê-la, mesmo um leigo em Direito, proporcionando uma completa compreensão sobre a história, as bases, e a legislação consumerista do Brasil.

Já com outro viés, o autor inicia um novo capítulo partindo para uma análise e compreensão histórico-política do Direito do Consumidor em terras tupiniquins, identificando a existência de tendências consumeristas ainda no Brasil Colônia, mas aprofundando o estudo essencialmente no contexto pós redemocratização do país na década de 1980.

Assim, de forma bastante acadêmica, o autor investiga os aspectos que relacionam a Constituição Federal Brasileira e outras legislações infraconstitucionais aos direitos dos consumidores; averigua os programas de desestatização praticados em diferentes governos como fator essencial para a evolução do ideal de proteção ao consumidor no país; sonda os diversos governos após a redemocratização, com fito em analisar suas práticas e ações na tutela dos direitos dos consumidores, desde a década de 1980 até a atualidade, perfilhando análises histórico-políticas em suas relações com os interesses consumeristas.

Em outro momento, com uma contextualização igualmente didática e bastante prática, a obra A TUTELA DO ESTADO AO DIREITO DO CONSUMIDOR passa a analisar as agências reguladoras brasileiras como órgãos estatais que possuem (ou deveriam possuir), entre outras finalidades, a atribuição de atuar na proteção e defesa dos consumidores.

Desta forma, Fernando Cantelmo faz uma análise completa não apenas dos órgãos regulatórios propriamente ditos, sua organização e atuação, seus planejamentos e ações concretas, mas também realiza um exame dos mercados regulados sob a óptica das próprias agências e de outros órgãos que atuam na proteção dos interesses dos consumidores, incluindo o Procon, organizações da sociedade civil como o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), e até plataformas na internet.

Por fim, de modo inédito na literatura jurídica, busca, diretamente com a população brasileira, averiguar a percepção e compreensão dos cidadãos sobre a atuação do Estado na tutela dos direitos dos consumidores.

Portanto, não obstante ao tema centrado no Direito Constitucional e no Direito do Consumidor, Fernando produz um livro que é também histórico, sociológico e político, perfilhando análises e comentários sobre os impactos políticos na tutela dos direitos dos consumidores, e avaliando qual deveria ser (e qual é) o papel de cada agência regulatória e do próprio Estado nesse sistema de proteção econômica e jurídica (e consumerista) aos cidadãos do país.

E, com foco mais direcionado ao Direito, examina os aspectos jurídicos relacionados com o tema e debate o papel do Estado nessa tutela sob à luz do Código de Defesa do Consumidor e da própria Constituição Brasileira. Com isto, mais do que que um rebuscado histórico e de citações jurídicas, A TUTELA DO ESTADO AO DIREITO DO CONSUMIDOR apresenta algumas perguntas essenciais e busca oferecer resposta a todos nós, cidadãos e consumidores:
- O Código de Defesa do Consumidor consegue garantir tudo que ele propõe?
- Há, no mercado, práticas efetivas de proteção dos consumidores, que garantem de modo pleno o equilíbrio e a dignidade previstos legalmente?
- Está sendo facilitada a participação dos consumidores dentro do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor?
- Está sendo facilitado o acesso dos consumidores ao juízo para a defesa de seus interesses como definido em Lei?
- Há efetivamente aplicação de tudo o que está previsto na rica legislação consumerista brasileira?
- O Estado está cumprindo seu papel na proteção dos interesses dos consumidores?
- As agências reguladoras e o Estado estão atuando dentro das previsões instituídas pelo Código de Defesa do Consumidor, pelo Sistema Nacional de Defesa dos Consumidores, pela Lei Geral das Agências Reguladoras, e, entre outras legislações, pela própria Constituição Federal da República Federativa do Brasil promulgada em 1988?
- É possível verificar existir melhorias e diminuição dos problemas e reclamações dentre os mercados fiscalizados pelas agências reguladoras?
- Estão realmente protegidos os consumidores e demais cidadãos conforme prevê a legislação em geral e a própria Constituição Federal?

O livro que Fernando Cantelmo ora nos oferece não é apenas o resultado de sua rigorosa pesquisa realizada no âmbito de uma paixão que lhe move faz décadas. Com ampla formação acadêmica nas Ciências Humanas, estudos e atividades desenvolvidos em mercadologia e comportamento do consumidor, participação em publicações sobre consumerismo e direitos dos consumidores etc., e associado ao Idec desde o início da década de 1990, a obra A TUTELA DO ESTADO AO DIREITO DO CONSUMIDOR traz as marcas de quem atua na defesa do consumidor há longa data.

Na organização deste material o autor relata fatos presenciados por ele mesmo e por colegas, além de trazer muitos exemplos bastante práticos e reais. Também traz críticas sobre a falta de transparência das Agências Reguladoras e questiona se os propósitos e objetivos das Agências Reguladoras estão de fato sendo atendidos. E conclui com sua avaliação bastante embasada sobre qual é e qual deveria ser o papel do Estado na defesa do consumidor, de uma forma crítica e bem fundamentada nas leis vigentes.

Esta obra certamente revela o compromisso de Fernando Cantelmo em defesa dos direitos do consumidor, com a democracia e a liberdade.

Boa leitura, bons estudos!

Luís Carlos Valois
Juiz de direito no Amazonas, mestre e doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (Largo de São Francisco) e pós-doutorado na Universität Hamburg (Alemanha)